O Papel dos Condensadores na Falha de Purgadores
O Papel dos Condensadores na Falha de Purgadores
Sistemas de refrigeração industrial por amônia operam sob condições termodinâmicas rigorosamente controladas, com o objetivo de garantir desempenho, segurança e eficiência energética. Entre os fatores que podem comprometer essa estabilidade, destaca-se a presença de gases incondensáveis. Esses gases elevam a pressão de condensação, reduzem a efetividade da troca térmica e aumentam o consumo específico de energia.
A remoção dos incondensáveis pode ser realizada manualmente ou por meio de purgadores automáticos. Quando corretamente aplicados, esses dispositivos oferecem benefícios operacionais significativos. No entanto, interpretações equivocadas quanto ao seu funcionamento ainda geram desconfiança. É nesse contexto que se insere o caso prático analisado neste artigo: uma ocorrência em que a descarga intermitente de amônia líquida por um purgador automático resultou em interrupções de processo e no descarte indevido do equipamento, apesar de sua plena funcionalidade.
A planta em questão contava com duas unidades frigoríficas equipadas com autopurgadores multiponto, instalados conforme as especificações do fabricante. Nas primeiras semanas de operação, os equipamentos funcionaram conforme esperado. Com o passar do tempo, no entanto, passaram a ocorrer descargas esporádicas de líquido pelas linhas de purga, gerando alarmes, evacuações e paralisações do processo. Diante dessa instabilidade, foram realizadas inspeções técnicas que confirmaram a conformidade dos componentes instalados. Como tentativa de correção, válvulas solenóides foram substituídas, mas o problema persistiu. Sem uma explicação clara para os episódios de descarga líquida, optou-se pela desativação dos purgadores e pelo descarte da tecnologia como possível causa.
No entanto, essa decisão contrariava a experiência da equipe técnica da planta, que já utilizava purgadores automáticos similares há bastante tempo, sempre com bom desempenho. Esse histórico levou à hipótese de que o problema estivesse relacionado a condições operacionais específicas daquela instalação, e não ao equipamento em si.
Uma nova investigação foi então conduzida, com foco no comportamento térmico dos condensadores. Inspeções visuais e termográficas descartaram a presença de incrustações ou barreiras térmicas causadas por depósitos minerais. Contudo, medições simultâneas nas linhas de drenagem revelaram um importante desbalanceamento: enquanto um dos condensadores entregava líquido saturado, o outro apresentava líquido subresfriado, com temperatura próxima ao bulbo úmido.
Esse contraste de comportamento provocava, em determinados momentos, o envio de líquido em alta pressão para a linha de purga — projetada originalmente para transportar apenas vapor contendo gases incondensáveis. Quando o líquido atingia a câmara do purgador, comprometia o funcionamento do sistema de detecção por flutuador magnético, impedindo o acionamento correto da válvula de descarga. Como consequência, o purgador permanecia em descarga por um tempo superior ao previsto, liberando amônia líquida para o sistema de diluição, que não estava dimensionado para esse tipo de operação. Embora fora das condições de projeto, o fenômeno era compatível com a resposta física esperada do sistema diante do cenário operacional.
Vale destacar que a maioria das análises de desempenho em refrigeração assume operação em regime estacionário. No entanto, instalações que atuam com processos descontínuos — como túneis de congelamento ou câmaras de resfriamento rápido — operam sob cargas térmicas altamente variáveis. Nesses casos, a pressão de condensação pode oscilar mais rapidamente do que a temperatura do líquido condensado, dificultando a identificação de gases incondensáveis com base apenas em leituras pontuais de temperatura e pressão. Esse comportamento dinâmico reforça a necessidade de estratégias de purga adaptadas à realidade da operação.
No caso em análise, os condensadores operavam em paralelo, descarregando para um coletor comum conectado a um vaso intermediário do sistema de resfriamento de óleo. Os pontos de purga estavam localizados nas saídas dos coletores e eram controlados individualmente por válvulas solenóides. Durante a entrada em carga de um novo compressor, era comum observar inversão no comportamento térmico dos condensadores: aquele que operava com saturação passava a subresfriar, e vice-versa, gerando fluxos de líquido imprevisíveis na linha de purga. A geometria das tubulações, aliada ao desnível entre o ponto de coleta e o purgador, criava um diferencial de pressão de até 115 psi — suficiente para arrastar volumes superiores a 4 litros de líquido por ciclo até a câmara do purgador. Esse volume ultrapassava a capacidade de controle do flutuador interno, ocasionando descargas não controladas.
A partir desse diagnóstico, duas soluções técnicas foram avaliadas. A primeira consistia na instalação de um vaso separador de alta pressão na linha de purga, com a função de amortecer as variações de fluxo e reter o líquido indesejado antes que este chegasse ao purgador. Embora tecnicamente viável, essa abordagem exigiria modificações estruturais relevantes e a reavaliação dos dispositivos de segurança existentes. A segunda alternativa envolvia o simples reposicionamento do ponto de coleta dos gases para o topo do vaso de alta pressão, região na qual a presença de líquido é muito menos provável. Essa solução apresentava menor complexidade, não exigia alterações físicas no sistema e podia ser facilmente integrada à lógica de controle já existente via CLP. Diante de sua viabilidade prática e baixo custo, essa segunda alternativa foi escolhida e implementada como solução definitiva.
O caso analisado evidencia que falhas associadas à operação de purgadores automáticos nem sempre têm origem em defeitos de fabricação ou instalação. A descarga indevida de líquido foi resultado de uma combinação de fatores operacionais, comportamento térmico dinâmico e projeto inadequado do ponto de coleta. Para garantir a confiabilidade dos sistemas de purga, é essencial compreender a instalação como um sistema integrado, no qual projeto, operação e controle se influenciam mutuamente. A análise isolada de sintomas pode levar a decisões precipitadas. Já a abordagem sistêmica, fundamentada nos princípios físicos que regem os ciclos de refrigeração, permite diagnósticos mais precisos e intervenções realmente eficazes.
Como prática preventiva, recomenda-se o monitoramento contínuo da pressão de condensação e da frequência de atuação dos purgadores. Variações abruptas, aumentos de ciclo ou descargas com comportamento intermitente devem ser interpretadas como possíveis sinais de arraste de líquido ou desequilíbrio térmico entre os condensadores. O acompanhamento dessas variáveis pode antecipar falhas operacionais e contribuir para ajustes finos na lógica de controle.
Além disso, o posicionamento dos pontos de coleta de gases incondensáveis deve ser tratado como decisão crítica de engenharia. Mesmo com equipamentos bem especificados, a coleta de vapor em locais sujeitos à presença de líquido compromete o funcionamento do sistema de purga. Avaliar o comportamento térmico local, considerar o desnível hidráulico e respeitar o princípio de separação por gravidade são fundamentos indispensáveis para garantir a eficiência do processo e evitar interpretações equivocadas durante a operação.